A comunidade (acadêmica e prática) da ES usualmente destaca a importância de questões sociais, culturais, políticas e organizacionais nos projetos de desenvolvimento de software e nos projetos de implantação e melhoria de processos de software. Segundo FUGGETTA (2000), "pesquisadores e praticantes têm percebido que desenvolvimento de software (...) é um esforço coletivo, complexo e criativo. Deste modo a qualidade do produto de software depende fortemente das pessoas, organizações e procedimentos utilizados para criá-los e disponibilizá-los" .
No entanto, essas questões não recebem, em intensidade compatível com o suposto reconhecimento de sua importância, a atenção devida, nem na literatura nem nos eventos sobre ES. É muito comum vê-las qualificadas como questões "não técnicas", o que, de fato, nos leva a supor que a maior parte da comunidade de ES acredita que podemos dividir os problemas que enfrentamos em "técnicos" e "não técnicos". Conforme sugere SOMMERVILLE (2004), "gerenciamento efetivo trata (...) da gerência das pessoas na organização. Gerentes de projetos têm que resolver problemas técnicos e não técnicos através das pessoas alocadas em suas equipes da maneira mais efetiva possível" . De imediato, essa divisão nos remete à idéia de que aqueles problemas relativos à primeira classe - os técnicos - dispõem de maior importância. À segunda classe - os não técnicos - não se confere sequer uma qualificação positiva. São definidas pela exclusão, pela negativa: não técnico.
Pouco qualificadas, ocupando um espaço relativo muito menor, as questões sociais, culturais, políticas e organizacionais são relegadas a disciplinas externas à ES. LEVESON (1997) observa que "o fervor e a excitação na busca de se desenvolver uma tecnologia revolucionária, com potencial de mudar o mundo de forma profunda, pode estar concentrando [a discussão] apenas no técnico e excluindo o social. (...) Nos primeiros 50 anos vimos o desenvolvimento do conceito de software como um produto de engenharia e um objeto matemático, pouca atenção foi devotada ao software como um produto humano. (...) Talvez esse viés 'técnico' possa explicar a grande evolução da ES nas fases finais do ciclo de vida de desenvolvimento de software. (...) Poucos cientistas da computação têm se preocupado em considerar o tremendo efeito da tecnologia sobre a vida e sociedade humanas, é fundamental para a ES, atentar para isto (...) reconhecendo a importância e estreitando laços com ciências sociais e psicologia cognitiva" .
O desenvolvimento de sistemas de software parece envolto numa "ortodoxia técnica", visto apenas como um processo técnico, a ser realizado por pessoal técnico, auxiliados por soluções técnicas. A pesquisa sobre sistemas de informações à basicamente um estudo de nossa condição social - conhecimento e comunicação - um problema, portanto, de complexidade social. Por isso a comunidade de ES não pode se eximir das controvérsias filosóficas que têm banhado as pesquisas sociais. Felizmente, muitos movimentos têm percebido que a tecnologia da informação é algo inevitavelmente social e, com isso, têm tentado focalizar a ES como um problema concomitantemente de complexidade social .
A comunidade (acadêmica e prática) da ES brasileira também reconhece a importância de alcançar-se além dos assim chamados "aspectos técnicos" porque, muito frequentemente, só eles não conseguem oferecer uma compreensão mais apurada do sucesso ou fracasso dos projetos de software e dos projetos de melhoria/implantação de processos de software. Os mais diversos autores têm tentado ampliar o debate da ES que, historicamente, vem focalizando, sobremaneira, as últimas fases do ciclo de vida de desenvolvimento de software. Se grandes avanços são percebidos em ferramentas, métodos, modelos e processos técnicos, devem-se à premissa implícita de que a ES lida com um objeto de complexidade apenas "técnica". Todavia, diversas vertentes teóricas e metodológicas, vêm percebendo que ciência e tecnologia são indissociavelmente sociais (Bruno Latour, Helen Nissembaum, John Law, Manoel Castells, Lawrence Lessig, Nancy Leveson, Ian Sommerville, Rudy Hirschheim, Heinz K. Klein, Walt Scacchi, Rob Kling, Ole Hanseth, Eric Monteiro, entre outros) de forma que, lidando com problemas cuja complexidade é social e técnica, resulta fortalecida a premissa de que a ES é melhor enquadrada à luz de um olhar sociotécnico.
Portanto, o WOS-ES justifica-se por instituir um fórum ampliado para o debate sobre a ES, onde seja possível, ainda que de forma incipiente, explicitar e tratar uma vasta gama de questões que, por ultrapassar as fronteiras das tecnicalidades, é normalmente relegada a segundo plano, desconsiderando assim a complexidade sociotécnica do objeto da ES.
Com isso acreditamos que surgirão contribuições valiosas para a ES diretamente aplicáveis, de modo que nossas ferramentas, métodos e processos recebam insumos que nos permitam produzir e manter, com maior eficiência e qualidade, nossos sistemas de software. Adicionalmente, podemos esperar também que, ao consubstanciar-se um novo olhar, o olhar sociotécnico, possamos caminhar na direção da construção de uma ES que, dada a ubiquidade dos produtos de software, contribua efetivamente, para prover uma consciência crítica da produção de ciência e tecnologia frente à sociedade brasileira, e, portanto, da construção de um país mais justo e mais democrático.